quinta-feira, 3 de maio de 2012

Caros,

Aproveitando uma reflexão realizada no âmbito da Gestão de Recursos Marinhos, aqui deixo, a título de curiosidade, uma pequena história sobre o Procambarus clarkii no Paúl do Boquilobo, local obrigatoriamente a visitar por qualquer português que se preze de o ser.

Esta espécie é nativa da América do Norte, sendo cá em Portugal considerada uma "Espécie Exótica Invasora", tal a sua interferência com os ecossistemas a que se adapta.
Numa das mais bonitas zonas húmidas do país, o Paúl do Boquilobo, é causa de grande desequilíbrio.

Procambarus clarkii Fonte: Wikimedia.org


Reino: Animalia
Filo: Arthropoda
Sub-filo: Crustacea
Classe: Malacostraca
Ordem: Decapoda
Família: Cambaridae
Género: Procambarus
Sub-género: Scapulicambarus
Espécie: P. clarkii

O Lagostim-Vermelho-do-Luisiana (LVL) é um crustáceo de água doce, tipicamente avermelhado ou acastanhado, que atinge até 15cm de comprimento, realizando a sua respiração por brânquias. Carreira (2010) refere ao longo do seu estudo "Impactos de
Procambarus clarkii na comunidade de macrófitas de charcos temporários mediterrânicos: uma abordagem experimental" que este artrópode pode chegar a consumir diariamente até 8% do seu peso húmido em alimento, atingindo segundo a National Biological Information Infrastructure mais de 50g em pouco mais de 3 meses, de onde deduzimos a sua voracidade e impacte nos ecossistemas que habita. É curioso que consiga permanecer muito tempo fora de água (lembremos que respira por brânquias) o que lhe confere ótima capacidade de adaptação a albufeiras, lagoas, charcos, rios e ribeiras de água doce, com diferentes salinidades.

O LVL prefere o início e final do dia para a sua atividade de alimentação e reprodução, tendo a particularidade de escavar túneis para se enterrar no solo, característica que o torna ainda mais indesejável em diversas culturas e pequenos diques ou albufeiras,
que se vêem assim fragilizadas nas suas funções. Ao nível alimentar pode ser considerado omnívoro, tal a variedade de alimentos que ingere (crustáceos, peixes, anfíbios, algas, plantas...), sendo-lhe ainda atribuídas características de canibalismo. A sua maturidade sexual é atingida rapidamente, realiza mudas (descartando a sua carapaça "antiga") e possui um ciclo de vida muito curto, o que confere uma vantagem nos habitats invadidos (lembramos que a nossa espécie nativa, o Lagostim-de-Patas-Brancas -Austropotamobius pallipes-, tem um ciclo mais longo, o que lhe confere desvantagem competitiva). 

Austropotamobius pallipes Fonte: Wikipedia.org
Devido à sua enorme capacidade de adaptação a diferentes alimentos, salinidades e temperaturas, esta espécie é extremamente adaptável a diversos habitats, competindo ferozmente com os seres vivos autóctones, sendo portanto um redutor de biodiversidade,
o que lhe confere estatuto indesejável. Tem ainda a particularidade de ser um vetor de transmissão para o fungo Aphanomyces astaci, ao qual as populações de crustáceos ibéricas não estão adaptadas, pelo que frequentemente morrem após o contacto.
No que concerne ao seu estatuto "legal", a consulta ao Decreto-Lei n.º565/99 de 21 de Dezembro, e a informação fornecida pelo Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto não deixam margem para dúvidas. A saber (respeitante ao Dec-Lei):
Anexo I – Espécie introduzida em Portugal Continental
Anexo III – Espécie de risco ecológico
MMA (ErU) - Lista preliminar de espécies exóticas invasoras cuja erradicação é urgente em Espanha (Ministério Meio Ambiente de Espanha).
Invasiber - Espécies exóticas invasoras da Península Ibérica (Ministério da Ciência e Tecnologia de Espanha).
EEA/SEBI - Lista das piores espécies exóticas invasoras que ameaçam a biodiversidade na Europa (Convenção da Biodiversidade).
Daisie - Inventário de espécies exóticas invasoras na Europa (Comissão Europeia)

Em Portugal continental, segundo Cruz (2001), esta espécie foi introduzida no final dos anos 70, alegadamente derivado da sua introdução em Espanha (Badajoz) alguns anos antes, com fins alimentares. O primeiro registo concreto foi realizado no rio Caia (um
afluente do Guadiana) em 1979 (Ramos e Pereira, 1981). Graças à capacidade de adaptação já referida, rapidamente se espalhou por toda a zona centro. É aqui que entra a sua influência no Paúl do Boquilobo. 

Biodiversidade no Paúl do Boquilobo Fonte: rtt.ipt.pt e avesdeportugal.info


O Paúl do Boquilobo é uma zona húmida de enorme riqueza e importância, localizada na bacia hidrográfica do rio Almonda, tendo recebido o estatuto de "Reserva Natural" pelo Decreto-Lei nº 198/80, de 24 de Junho (ICNB). Aqui, diversos estudos demonstram que este ser vivo (o LVL)  tem sido um verdadeiro problema ambiental. Como exemplo, Cruz (2001), detetou uma abundância neste local de 15,6 indivíduos por m2, situação que por senso comum compreendemos ser insustentável. Demonstrou-se ainda a redução quase
até à extinção de várias espécies de tritões, rãs e mesmo algumas aves, cujos seus ovos em ninhos rente ao solo são atacados. A captura por armadilha e camaroeiro revelou algum sucesso, dado o elevado número de indivíduos capturados. Daqui a minha opinião em como ao potenciar esta captura e apoiar a sua utilização para diversos fins comerciais poderá ser uma pequena fonte de rendimento de pescadores locais e ainda uma eficaz forma de controlar a população deste seres vivos. 
Relembremos a este respeito que esta espécie já deu origem à Portaria n.º 1089/99, de 17 de Dezembro, que transcrevo:

"Atendendo ainda a que a captura do lagostim vermelho pelos pescadores profissionais contribui significativamente para o controlo das populações daquela espécie: Manda o Governo, pelo Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, ao abrigo da Base XXXIII da Lei n.º 2 097, de 6 de Junho de 1959, da alínea d) do artigo 31.º e dos artigos 41.º e 84.º do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962, o seguinte: 1.º É criada uma zona de pesca profissional no troço do rio Almonda"

Acrescente-se ainda para consubstanciar esta opinião que além de um alimento desejado e facilmente incorporado na dieta de seres humanos e animais, vários estudos (Martins, 2009) já identificaram o LVL como uma rica fonte de quitina (rendimento de
apróx. 22%) e de astaxantina (4,4%) um poderoso antioxidante.
 
Bibliografia base consultada:

- Anastácio, P., (1993) CICLO BIOLÓGICO E PRODUÇÃO DO LAGOSTIM VERMELHO DA LOUISIANA (Procambarus clarkii, Girard) NA REGIÃO DO BAIXO MONDEGO. Departamento de Zoologia da Universidade de Coimbra, Coimbra. On-line em www.decol.uevora.pt/anastacio/_private/MSc%20Thesis%20Anastacio%201993.pdf
- Carreira, B., (2010) Impactos de Procambarus clarkii na comunidade de macrófitas de charcos temporários mediterrânicos: uma abordagem experimental. Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências,Lisboa. On-line em http://hdl.handle.net/10451/2425
- Cruz, M., (2001) Influência do Lagostim-Vermelho-do-Luisiana na Comunidade de Anfíbios da Reserva do Paúl do Boquilobo. Relatório de Estágio. Instituto da Conservação da Natureza, Reserva natural do Paúl do Boquilobo. On line em http://portal.icnb.pt/NR/
rdonlyres/7C8B0B51-B7E9-4CFB-A403-7BF5F72E63F /0/RNPBLagostim_ImpactoAnfibios_2001.pdf
- Curado, N., (2009) Reserva Natural do Paul do Boquilobo, uma zona húmida a cuidar no coração de Portugal. On-line em http://naturlink.sapo.pt/Natureza-e-Ambiente/Sistemas-Aquaticos/content/Reserva-Natural-do-Paul-do-Boquilobo-uma-zona-humida-
a-cuidar-no-coracao-de-Portugal/section/3?bl=1.
- Martins, P., (2009) Caracterização e valorização do lagostim procambarus clarkii. Revista da Faculdade de Ciência e Tecnologia. Porto. ISSN 1646-0499. N.º6 pp 110-122. On-line em http://hdl.handle.net/10284/1342
- Plano de ordenamento da reserva natural do paul do boquilobo, disponível em http://portal.icnb.pt
- www.afn.min-agricultura.pt (em 27/04)
- www.charcoscomvida.org (em 27/04)
- www.icnb.pt (em 28/04)
-  www.rtp.pt/antena1/?t=Reserva-Natural-do-Paul-do-Boquilobo---Reportagem-de-Arlinda-Brandao.rtp&article=2282&visual=11&tm=12& headline=13(em 28/04)
- www.wikipedia.org/wiki/Procambarus_clarkii (em 27/04)

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